“O poder de enganar os portugueses com a verdade”
“O
poder de enganar os portugueses com a verdade”
JOÃO RODRIGUES 29/07/2013 -
17:10
O PÚBLICO desafiou
economistas portugueses a analisar o legado de Vítor Gaspar. Hoje, escreve João
Rodrigues, um investigador de Coimbra.
Qual destas três palavras
não entendeu? Não há dinheiro. Assim falava Vítor Gaspar e assim ainda falam os
que pretendem tornar permanente a política de austeridade depressiva: não
havia, não há e não haverá dinheiro. Não havia dinheiro e daí a troika e o seu
memorando. Não há dinheiro e daí a proposta pós-democrática do Presidente da
República. Não haverá dinheiro e daí o segundo resgate, qualquer que seja o seu
nome, com a mesma austeridade, desta vez sem o FMI. Todas as fraudes – do
“vivemos acima das nossas possibilidades” ao “todos temos de fazer sacrifícios”
– e todas as políticas que estas inspiraram nos últimos dois anos – da mais
predadora vaga de privatizações aos cortes nos salários directos e indirectos –
são tributárias do poder de, com três palavras, enganar os portugueses com a
verdade.
É verdade que não havia e
não há dinheiro suficiente para pagar salários, pensões e todas as outras
despesas públicas, sobretudo se se incluir, decisivamente, o fardo de uma
dívida pública crescente, que tem de ir sendo amortizada, e cuja despesa anual,
só com juros, aumentou mais de 50%, entre 2010 e 2013, sendo já bastante
superior à totalidade das receitas previstas com as privatizações no memorando.
É também verdade que, como sublinhou o ex-secretário de Estado do Orçamento,
Emanuel dos Santos, mesmo quando se assinou o memorando havia dinheiro para
pagar salários e pensões, já que, só no decisivo primeiro semestre de 2011, as
receitas de IRS e IRC ultrapassavam as despesas com salários e as contribuições
para a Segurança Social chegavam e sobravam para pagar as pensões.
De qualquer forma, estando
exclusivamente dependente dos agentes dos mercados financeiros ou, na falta de
interesse destes, da “bondade de estranhos”, um Estado sem a possibilidade de
financiar monetariamente os seus défices não é bem um Estado e a sua dívida não
é definitivamente soberana. Estes estranhos constituíram, em 2011, uma troika,
nada bondosa, que nos emprestou dinheiro para garantir que os credores
privados, sobretudo os bancos, não tivessem perdas com a dívida portuguesa num
mundo ainda traumatizado com as consequências da falência do Lehman Brothers.
Estas perdas adviriam de uma decisão, que hoje é mais difícil do que era em
2011, mas que é igualmente necessária: recusar o memorando e declarar uma
moratória ao pagamento da dívida, isto é, uma suspensão dos pagamentos dos
juros e das amortizações ao longo de um processo negocial que terá na agenda,
entre outros temas, a reestruturação da tal dívida, reduzindo em profundidade o
seu montante.
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