História de uma geração
HISTÓRIA
DE UMA GERAÇÃO
Nasci durante o Estado Novo,
no ano de 1951. Nessa altura, não se falava de democracia e pouco sabiam o
significado de tal palavra. Também não se falava em solidariedade social, havia
pobres a pedir nas ruas, pessoas descalças, porque não tinham dinheiro para
calçado. No entanto, era proibido pedir esmola, assim como também era proibido
andar descalço.
A minha geração, para a
época, tinha falta de tudo, ou seja, os brinquedos teriam de ser feitos por
nós, porque a esmagadora maioria dos pais não tinham dinheiro para comprar
brinquedos para os filhos. Também havia a classe média e média alta, em que
isso não se punha, mas recordo-me dos jogos da minha infância, tais como:
Ø Jogar
à bola, penso que é transversal a todos os rapazes.
Ø Jogar
o pião, em determinada época do ano.
Ø Jogar
à sameirinha, ou seja, as caricas das garrafas de refrigerantes e da cerveja,
eram aproveitadas por nós miúdos, que aproveitava-mos para fazer campeonatos,
jogando nas guias dos passeios. Na época, não havia grande tráfego automóvel.
Poucas eram as famílias que tinham carro, só mesmo os ricos.
Ø No
verão aquando da volta a Portugal em bicicleta, fazíamos com arames guiadores
tipo bicicleta de corrida, e competíamos uns com os outros.
Ø Também
se jogava ao arco e faziam-se corridas.
Ø Jogava-se
às escondidas.
Eram esses os brinquedos que
havia na altura e as brincadeiras de certa forma eram algumas vezes perigosas,
devido ao local escolhido. Não havia “game boys”, nem “Nintendo”, muito menos
videojogos. Televisão só no café ou então na casa dos ricos, mas mesmo que
houvesse, não havia programação, porque a televisão só abria o sinal por volta
das 20 horas.
Na escola, havia o
privilégio para quem era filho de rico, porque os pobres tinham muitas reguadas
pela frente até à quarta classe, depois, havia a possibilidade de alguns
continuarem a estudar. Para isso, depois do exame da quarta classe, (que este
ano lectivo regressa novamente) quem pudesse continuar a estudar, tinha de
fazer exame de admissão ao liceu e à escola preparatória. Normalmente, os
meninos ricos, seguiam pelo liceu, enquanto que a classe mais baixa, estudava
na preparatória, com possibilidade de seguir depois para um curso técnico
profissional, quer comercial ou industrial, havia os dois tipos de escolas. Nessa
época, nunca conheci nenhum filho da burguesia de então, que fosse para a
escola comercial ou industrial, entravam todos no liceu e por lá ficavam até ao
7.º ano e depois poderiam seguir para a Universidade e tirar uma licenciatura.
Quem seguia o ensino técnico, ficava-se pelo bacharelato que era inferior, ou
seja um engenheiro da Universidade, era o senhor engenheiro, enquanto um
engenheiro formado pelo Instituto “apenas” era tratado pelo nome.
Quem tinha a sorte de ter
uns pais que se sacrificassem um pouco mais que o normal, conseguia estudar
durante o dia, outros tinham azar e tinham de estudar à noite e trabalhar
durante o dia. Eu fui dos azarentos, ou seja muito feliz por ter pais que me
alimentavam e calçavam, mas que devido às dificuldades, tive de começar a
trabalhar bastante cedo, ou seja após o término do Ciclo Preparatório, isto é,
após os 13 anos de idade. Como eu, estava muita gente da minha geração, mas
também havia alguns sortudos, que por terem pais comerciantes ou algo assim,
conseguiam estudar durante o dia, o que era muito bom, para quem tinha essa
sorte.
Esta geração, ou melhor, a
geração anterior, a certa altura, viu-se confrontada com uma situação nova; A
guerra colonial.
Se até então as mulheres
eram educadas para serem boas esposas e donas de casa, a partir de determinada
altura, devido à escassez de mão-de-obra, nomeadamente no sector dos serviços,
começaram a ter de trabalhar, porque os homens eram recrutados para a guerra.
Foi criado o Imposto de Transacções, para sustentar o esforço da guerra
colonial, se até aí a vida era difícil, de um momento para o outro houve um
aumento de custo de vida de 16%. Esse foi o esforço de todos os portugueses
para sustentar a guerra.
As famílias deparavam-se com
a ida para a guerra dos filhos homens e a incerteza do regresso era enorme.
Muitas famílias perderam os filhos, por vezes mais que um. Esse foi o
contributo de muitas famílias para com o Estado Novo, primeiro de Salazar e
mais tarde, a partir de 1968 de Marcelo Caetano. A par com a guerra colonial,
havia a polícia politica que controlava tudo e todos.
Na minha família, felizmente
não tivemos baixas em combate, de quatro filhos, três fizeram tropa, dois em
simultâneo, mas para a guerra do Ultramar, só eu é que fui escolhido.
Quando cheguei à idade da
tropa, já tinha trabalhado durante 7 anos e estudado à noite. O trabalho não
tinha nada de leve, porque trabalhava no ramo de materiais de construção e
nessa altura, sempre que tinha de levar banheiras de ferro fundido a uma obra,
a maior parte das vezes, era para deixar uma em cada andar. Como não havia
elevador, era escadas acima com banheiras de 100 a 120 quilos cada uma, que
comecei a carregar com 14 anos de idade. Portanto, muito trabalho e pesado que
era, mas que não me queixava, pois na época podia ter escolhido outra
profissão, mas sempre tive um lema comigo:
Ser muito profissional,
vestir a camisola de quem me paga o salário, mas ser exigente, honesto,
cumpridor de horário de chegada, apesar de nunca haver hora de saída, ser
organizado e leal, tanto para com os colegas de trabalho, como para com os
patrões.
Na tropa, procurei sempre
fazer o melhor que aprendi e por em prática o que me ensinaram, tanto na
recruta nas Caldas da Rainha (RI 5), como na especialidade em Vendas Novas
(EPA).
Na altura todos os homens
iam para a tropa e poucos ficavam livres na inspecção militar, a partir de
determinada altura, até quem tinha pés chatos, não se livrava de ir para a
tropa e mais tarde para a guerra. Era o preço que todos os jovens de então,
tinha de pagar à sociedade. Também havia aqueles que optavam por ser
refractários e outros que na altura da mobilização para a guerra, batiam
corajosamente em retirada e passavam a ser desertores.
Dá-se o 25 de Abril de 1974,
e a vida mudou para todos os portugueses. Palavras como “igualdade,
fraternidade, democracia”, passaram a fazer parte do nosso vocabulário diário.
Passamos a ter direito de
votar, as mulheres ganharam esse direito, a maior idade passou para os dezoito
anos, elegemos os políticos para nos governar, através do direito ao voto que
entretanto conseguimos obter.
Acabada a tropa, todos
regressamos ao trabalho, uns mantiveram-se nas empresas onde trabalhavam antes
da tropa, foi o meu caso. Outros, alteraram a sua vida completamente e mudaram
de profissão, mas tiveram de trabalhar para sustentar a família que entretanto constituíram.
Houve quem optasse por
seguir a política ou o sindicalismo, outros foram empreendedores e conseguiram
estabelecer-se, outros não tiveram a mesma sorte e mantiveram-se trabalhadores
por conta de outrem sempre. No entanto, a esmagadora maioria, pagou os seus
impostos, Segurança Social e Imposto Profissional e Funde de Desemprego, além
do Imposto de Selo. Estes eram os descontos que fazíamos nos recibos de
ordenados. No meu caso pessoal, comecei a descontar para a Segurança Social, a
01 de Outubro de 1965.
A minha geração, tudo fez
para que os filhos tivessem mais condições que nós, lutamos pelos direitos à
igualdade de oportunidades e não de haver condições para ricos e outras para os
mais pobres. Os filhos da minha geração, são professores, médicos, advogados,
engenheiros, etc,. Politicamente, cada um fazia as suas opções tal como hoje
isso acontece, mas eramos mais militantes ou seja lutávamos na rua pelos nossos
direitos e contra os ditadores, fossem eles de direita ou de esquerda. Passamos
pelo verão quente de 75 e não se deixou que o comunismo se apoderasse do país,
mas também não foi permitido o golpe militar do 30 de Setembro do mesmo ano e a
28 de Novembro com o General Ramalho Eanes pôs-se fim a uma série de tentativas
de revoltas e contra revoltas. A democracia foi estabilizada e passamos a viver
de uma forma normal e natural. Passamos por dois resgates, sem que houvesse
danos colaterais. Nessa altura tínhamos a nossa moeda, pelo que as medidas de
austeridade por muito grave que fossem não tiveram um impacto muito forte na
economia, talvez porque os políticos de então, tivessem uma mentalidade
diferente dos actuais políticos.
Candidatamo-nos à Comunidade
Económica Europeia (CEE) a 28 de Março de 1977 e entramos para a CEE em 01 de
Janeiro de 1986. A partir daí a vida dos portugueses mudou por completo.
Em Julho de 1987, Cavaco
Silva ganha as eleições com maioria absoluta e começa a entrar dinheiro dos
Fundos Estruturais da CEE, para que Portugal deixasse a agricultura e as
pescas. A rede viária nacional começa a melhorar substancialmente, lança-se o
projecto da Ponte Vasco da Gama, o Centro Cultural de Belém e a candidatura da
Expo 98. As obras no aeroporto da Madeira, enfim, Portugal começa a ter um
grande crescimento económico, mas mesmo assim está muito longe do poder de
compra dos parceiros europeus.
A Europa instigava Portugal
a crescer, emprestava dinheiro para a nossa economia, a fim de provocar um
grande crescimento económico de forma a colmatar diferenças entre os países do
Norte e os países do Sul da Europa. Governo após Governo, as medidas foram
sempre as mesmas, crescer, crescer e crescer. Dinheiro não era problema, a CE
comparticipava cerca de 85% das obras e emprestava o restante, com esta
política a nossa dívida externa foi crescendo todos os anos, o nosso défice foi
aumentando. Os bancos passaram a emprestar dinheiro a qualquer cidadão, muitas
vezes sem controlo nenhum.
Entramos no século XXI e as
coisas não mudaram!
Durão Barroso, então
primeiro-ministro, disse que o país estava de tanga, mas nessa altura estávamos
muito longe disso, tratava-se de ter de inverter certas coisas na política quotidiana,
para o crescimento fosse real e não balofo como se veio a verificar mais tarde.
O crescimento económico, não passava de 1% ao ano, quando deveria ser superior,
para que nós pudéssemos aproximarmo-nos do poder de compra dos restantes
europeus.
O desemprego, situava-se na
ordem dos 7%, apesar de haver muita gente nessa altura a defraudar os números e
estar inscrita nos Centro de Emprego, porque era mais fácil viver de subsídios
que de trabalho.
Durão Barroso abandona o
Governo e vai para Bruxelas, deixa como sucessor Pedro Santana Lopes. Convém
relembrar, que Portugal é uma República e não uma Monarquia, onde existe
sucessão ao trono. Não demorou muito, para que o Presidente da República
dissolvesse a Assembleia da República e convocasse eleições legislativas.
As obras de construções de
auto-estradas continuavam a bom ritmo, até que chegou Sócrates ao poder e nessa
altura, continuou-se a construir auto-estradas, para dar trabalho aos
empreiteiros de obras públicas.
No ano de 2008, acontece o
que ninguém contava, a falência da Lehmon
Brothers e a partir desse momento, os
chamados investidores começaram a ter medo de investir o seu dinheiro, As
empresas de rating deixaram de ser
confiáveis e então, resolveram atacar a Europa, ou melhor, os países periféricos
para que lhes fosse restituída alguma credibilidade. Grécia, Irlanda, Portugal,
Espanha, foram as vítimas escolhidas por estas empresas, a Itália estava a
seguir.
Além desta pressão das
empresas de rating, também o PSD e
toda a oposição em conjunto, resolveram votar contra na Assembleia da República
a uma moção de confiança apresentada pelo Governo de José Sócrates, isto após a
reprovação do PEC 4. Esta situação, fez com que os juros da nossa dívida
subissem acima dos 7%, pelo que era incomportável o financiamento com esses
juros especulativos. Resultado, o Governo cai, Sócrates pede a demissão ao
Presidente da República, vamos para eleições legislativas.
Durante a campanha
eleitoral, todos os partidos políticos apresentaram os seus programas, o PSD,
através do seu líder, desmentia as acusações de José Sócrates, que se o PSD
ganhasse as eleições, cortaria o subsídio de Natal. O PSD negava tal atitude e
dizia que conhecia perfeitamente bem as contas do país e que isso não era necessário,
basta seguir o link: http://www.youtube.com/watch?v=gNu5BBAdQec
As promessas da campanha
eleitoral, acabou por ser uma fraude, pois Pedro Passos Coelho fez exactamente
o contrário do prometido, durante a campanha e no discurso de vitória
eleitoral.
Pois o PSD aliou-se ao
CDS/PP e os dois partidos políticos formaram um Governo e começaram por dizer
que iriam “para além do memorando da troika”,
passado algum tempo, dizia Pedro Passos Coelho que “custe o que custar” o
programa de ajustamento era para cumprir. Mais uns meses adiante, Pedro Passos
Coelho, convoca uma conferência de Imprensa, para anunciar que vai baixar a TSU
aos empresários de 23,75% para 18% e em contrapartida, aumentava os descontos
dos trabalhadores para a Segurança Social de 11 para 18%. Essa situação caiu pessimamente
na opinião pública e logo a seguir um grupo de pessoas convoca uma manifestação
cívica que consegue ser a maior manifestação que alguma vez após o 25 de Abril
se viu no país.
Depois dessa manifestação,
nada ficou na mesma, mas o Governo optou por outra estratégia, ou seja, atirar
os mais novos contra os mais velhos, os empregados contra os desempregados, os
trabalhadores privados contra os trabalhadores do Estado e assim
sucessivamente.
Depois acabou por dizer que
os reformados não tinham direito às reformas que auferem, não sei muito bem a
quem é que ele se refere, mas possivelmente, pretendia chegar à Presidente da
Assembleia da República Assunção Esteves, que ao fim de 9 anos de trabalho e
com 42 anos de idade, reformou-se com uma pensão de 2.800,00 euros. À pensão do
Presidente da República e outros que tal, aos políticos que legislaram para
obterem subvenções vitalícias além das reformas, etc.
Pois, bem, nesta pequena
história muito resumida sobre uma geração que é a minha, dá para ver que
efectivamente descontamos o suficiente para ter direito a uma reforma condigna,
não estamos a roubar nada às gerações seguintes. Este ano faço 48 anos de
descontos, ainda não sou reformado, mas estou para entrar na pré-reforma, mas
com quase meio século de trabalho activo e não de andar a brincar aos
trabalhos, como o primeiro-ministro. Não sou único nestas condições, na minha
geração era normalíssimo começar a trabalhar aos 14 anos de idade e continuar
ou não os estudos à noite.
A minha geração não fez nada
para que o país esteja nas actuais condições, fomos uma geração que sofreu com
a guerra colonial, defendeu o país onde tinha de defender, pois nessa altura as
nossas fronteiras eram longe e longas, mas cumprimos o nosso dever. Talvez,
devam voltar ao serviço militar obrigatório e é pena que não seja com
retroactivos para apanhar o primeiro-ministro nessa malha e a seguir, mandá-lo
para o Afeganistão ou para o Líbano.
Hoje penso que os pais dos
nossos governantes não lhes deviam ter dado as condições que lhe deram, mas sim
as que tiveram na sua juventude e se assim fosse, muitos destes senhores que
hoje nos governam, talvez hoje fossem trolhas ou agricultores, ou outra coisa
qualquer, mas não privilegiados que estão na esfera do poder.
Na passada sexta-feira,
através da conferência de imprensa feita pelo ministro das Finanças Vítor
Gaspar, ficamos a saber que as contas estão muito piores que quando este
Governo tomou posse. Pergunto: De quem é a culpa?
*****estrelas
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